Fungos Fantásticos – O garante da floresta e do nosso futuro
As comunidades fúngicas do solo desempenham um papel fundamental nos ciclos de nutrientes, na estruturação e proteção do solo, contribuindo para a produtividade e sanidade dos ecossistemas florestais. O montado não é exceção, apresentando uma diversidade micológica ímpar, resultado dos usos múltiplos praticados neste povoamento agro-silvo-pastoril. No entanto, as frequentes mobilizações do solo, em povoamentos florestais, empobrecem as comunidades fúngicas e interrompem a rede de micélio que possibilita a comunicação entre as diversas espécies vegetais que habitam este ecossistema.
Para conhecer melhor os fantásticos macrofungos vamos desvendar alguns aspetos da sua natureza e dos seus usos e serviços.
1. O que são cogumelos e trufas?
Os cogumelos e trufas são as estruturas que produzem esporos (analogamente, como um fruto possui sementes) e são formadas quando algumas espécies de fungos filamentosos se reproduzem sexuadamente. A esses fungos damos o nome de Macrofungos. Usamos o termo cogumelo se essa frutificação amadurece acima do nível do solo, ou trufa se matura abaixo do nível do mesmo, permanecendo enterrada.
2. O que é o micélio?
O micélio é o corpo vegetativo permanente de um fungo, e é composto por uma rede de filamentos muito finos e compridos (hifas) que tendem a crescer radialmente, podendo variar entre poucos centímetros até centenas de quilómetros. Ao contrário dos seus “frutos” (cogumelos ou trufas), este não se observa facilmente a olho nu, ocupando as camadas superficiais do solo, ramos caídos ou mesmo os troncos das árvores.
3. Como vivem os Macrofungos?
Os macrofungos são heterotróficos, ou seja, não conseguem produzir o seu alimento, dependendo de outros seres ou matéria orgânica para obterem a energia e nutrientes necessários à sua sobrevivência. Simplificando, podem fazê-lo de uma de três formas: a) decompondo – macrofungos sapróbios, que são determinantes nos processos de reciclagem de nutrientes e, em associação com invertebrados e bactérias do solo, asseguram a disponibilidade de moléculas essenciais ao desenvolvimento das espécies vegetais; b) parasitando – macrofungos parasitas, que exploram animais, plantas ou fungos, podendo causar a sua morte; c) ligando-se a plantas hospedeiras – macrofungos micorrízicos, que estabelecem relações de simbiose mutualista com as raízes de diversas espécies vegetais lenhosas, recebendo delas o alimento, auxiliando-as, em troca, na absorção de água e nutrientes.
4. Como os Macrofungos garantem a sanidade da floresta?
A maioria das árvores e arbustos beneficia largamente com a simbiose mutualista que estabelece com diversas espécies de macrofungos, mas outras há que não sobrevivem sem os seus “mico-parceiros” (p. ex. espécies de Pinus). Os macrofungos micorrízicos protegem as espécies hospedeiras de diversos “stresses” ambientais (seca, salinidade, déficit de nutrientes, presença de metais pesados, pH do solo desajustado) e do ataque de pragas e agentes patogénicos, resultando numa melhoria global do fitness da planta hospedeira. Mas a grande mais-valia dos macrofungos para a floresta é a teia de comunicações (wood-wide-web) que estes fungos estabelecem entre as raízes de diversas espécies hospedeiras. As árvores e arbustos comunicam entre si através de sinais químicos enviados pelos micélios a que se ligam, podendo “avisar” as outras que um perigo se avizinha, auxiliar árvores com dificuldade em crescer, etc. Estes macrofungos “cuidam” de quem os alimenta, podendo prescindir de açúcares fornecidos pelas árvores para auxiliar uma plântula em dificuldades. Alguns macrofungos sapróbios são também nematófagos, criando “armadilhas” para aprisionar nemátodes que posteriormente consomem, efetuando um serviço de limpeza nos solos com elevadas concentrações de nemátodes fitoparasitas.
5. E que outros serviços prestam os Macrofungos?
SOLO-PLANTAS – Os macrofungos sapróbios têm um papel essencial na reciclagem de nutrientes e na formação do solo, ajudando as plantas a aceder a nutrientes essenciais, e decompondo a matéria orgânica do solo. Os macrofungos micorrízicos, através do seu micélio, unem as partículas do solo, melhorando a sua estrutura, arejamento e capacidade de retenção de água, aspetos cruciais para a saúde das plantas e sustentabilidade da floresta.
SEQUESTO DE CARBONO – A imobilização de carbono nos micélios é um parâmetro muitas vezes ignorado, mas fundamental para contrariar o nefasto efeito de estufa. São os macrofungos micorrízicos os que mais contribuem para o sequestro de carbono, pois estimulam as árvores e arbustos a capturar e armazenar o dióxido de carbono atmosférico necessário para produzir os açúcares que irão fornecer aos seus “mico-parceiros”.
BIODIVERSIDADE – Os macrofungos possuem um papel relevante nas cadeias alimentares, sendo uma fonte de alimento para vários “fungívoros” (p. ex. mamíferos, insetos, lesmas, etc.); para além disso, ao promoverem a saúde das árvores, contribuem para a diversidade geral do ecossistema, para o qual a riqueza de macrofungos também contribui.
ECONOMIA – Os macrofungos prestam também serviços culturais e recreativos, pois são cada vez mais frequentes os amadores de passeios micológicos, quer para enriquecer a sua “mico-cultura”, quer para colherem espécies comestíveis. Já o valor económico dos cogumelos e trufas silvestres comestíveis é bem conhecido mundialmente, multiplicando-se as empresas de produção e distribuição. As propriedades medicinais de muitos cogumelos são hoje em dia reconhecidas e exploradas, mas existem ainda inúmeras espécies cujo valor terapêutico está em estudo e muitas mais ainda sobre as quais se desconhece esse valor. Um dos usos menos conhecidos dos macrofungos é a produção de biomateriais (embalagens, sapatos, mobiliário, etc.) para substituir peças e utensílios habitualmente produzidos com polímeros baseados em hidrocarbonetos fosseis (plásticos).
Levantámos aqui o véu sobre estes fantásticos seres, que escondidos na penumbra dos solos são fundamentais para a nossa sobrevivência.
Por:
Celeste Silva
Investigadora do MED, Responsável pelo Laboratório de Macromicologia & Professora Auxiliar da Universidade de Évora
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