3 NOV 2024 | Dia Mundial Uma Saúde (One Health)
A ABORDAGEM “UMA SAÚDE” PARA A ALIMENTAÇÃO: O CASO DA DIETA MEDITERRÂNICA*
Artigo da autoria de Fernando Capela e Silva (1,2), Margarida Simões (2,4), Elsa Lamy (2), Maria Perez-Jimenez (2), Ana-Lourdes Oropesa Jiménez (5), Manuela Vilhena (2,3), Cristina Conceição(2,6), Maria Raquel Lucas (2,7)
1) Departamento de Ciências Médicas e da Saúde, Escola de Saúde e Desenvolvimento Humano, Universidade de Évora, Portugal. 2) MED-Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento & CHANGE – Global Change and Sustainability Institute, Universidade de Évora, Portugal. 3) Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Portugal. 4) CHRC-Comprehensive Health Research Centre, Universidade de Évora, Portugal. 5) Departamento de Saúde Animal, Unidade de Toxicologia, Escola de Medicina Veterinária, INBIO & C+G Research Institute, Universidade da Extremadura, Espanha. 6) Departamento de Zootecnia, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora, Portugal. 7) Departamento de Gestão, Escola de Ciências Sociais, Universidade de Évora, Portugal.
No dia 3 de novembro é assinalado o Dia Mundial da One Health (Uma Saúde) [1], uma campanha internacional que celebra e chama a atenção para a necessidade de uma abordagem One Health para promover a saúde nos 3 pilares fundamentais do conceito (humanos, animais e ambiente). Tem, portanto, de ser uma abordagem colaborativa, multissectorial e transdisciplinar – trabalhando nos níveis local, regional, nacional e global – com o objetivo de resolver desafios críticos de saúde pública decorrentes das conexões existentes entre os seus pilares [2].
Em dezembro de 2021, a Plus One Tripartite Association [(composta pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS)] e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) adoptou a definição operacional de One Health do One Health High-Level Expert Panel (OHLEP), o que significou um marco importante para a integração da abordagem One Health na preparação e resposta a futuras ameaças à saúde global [3]: “Uma Saúde é uma abordagem integrada e unificadora que visa equilibrar e optimizar de forma sustentável a saúde das pessoas, animais e ecossistemas. Reconhece que a saúde dos seres humanos, animais domésticos e selvagens, plantas e meio ambiente (incluindo ecossistemas) estão intimamente ligados e interdependentes. A abordagem mobiliza vários setores, disciplinas e comunidades em vários níveis da sociedade para trabalhar em conjunto para promover o bem-estar e enfrentar ameaças à saúde e aos ecossistemas, ao mesmo tempo que atende à necessidade colectiva de água limpa, energia e ar, alimentos seguros e nutritivos, actuando nas mudanças climáticas e contribuindo para o desenvolvimento sustentável“.
No âmbito deste conceito incluem-se temas tão diversos, como, e entre outros, as zoonoses (transmissão de um agente infecioso dos animais para o homem e vice-versa), as doenças infecciosas emergentes, a resistência antimicrobiana, a poluição ambiental, a segurança alimentar e dos alimentos, muitos deles exacerbados pelas alterações climáticas [4,5]. Os impactos das alterações climáticas na saúde e nos sistemas de saúde estão já bem documentados, incluindo, mas não limitados, mortalidade prematura, doenças cardiorrespiratórias (derrames e ataques cardíacos), doenças respiratórias, problemas de saúde mental, doenças infeciosas e cancro [6-8]. De realçar, ainda, que as intervenções em “Uma Saúde” começam também a ser aplicadas a algumas doenças não transmissíveis, designadamente alguns tipos de cancro [9-11], obesidade e doenças a esta associadas [12-15].
Dada a sua complexidade, e o vasto conjunto de interacções com o ambiente, e os seus impactos neste, a produção de alimentos é um tema que deve, também, ser analisada sob a abordagem “Uma Saúde” [16]. O constante aumento da população mundial, e a sua distribuição geográfica, obriga a que a produção de alimentos tenha que acompanhar esse crescimento, no sentido de satisfazer as correspondentes necessidades de consumo, o que tem sido feito com base em sistema de produção intensivos, com a sobrexploração dos recursos naturais. Por outro lado, as actividades agrícolas e pecuárias, e as industriais, algumas delas com aquelas relacionadas, representam as principais fontes de emissão de poluentes para o ambiente – ar, solo e água -, actuando estes como matrizes de exposição para os organismos vivos (plantas e animais) e, em última análise, para os seres humanos através da dieta [17]. Para além disso, são responsáveis por uma acentuada perda de biodiversidade [18], com impactos negativos na saúde humana e na disponibilidade alimentar [19,20]. Assim, e de modo a garantir a preservação do planeta e a otimização na utilização dos recursos, os atuais sistemas de produção devem passar por transformações urgentes. Por outro lado, a necessidade de uma produção sustentável de alimentos é evidenciada pelas acentuadas alterações climáticas, e que se fazem sentir, nalguns casos, de forma drástica, caracterizadas e potenciando fenómenos extremos com maior frequência [21], e de que é exemplo o evento DANA, ocorrido no passado mês de Outubro em Valência, Espanha, com efeitos dramáticos e catastróficos. Apenas com sistemas de produção sustentáveis será possível promover a biodiversidade, assegurar a segurança alimentar global e corresponder às necessidades nutricionais e de consumo de uma população crescente, prevenindo situações de má nutrição (subnutrição e desnutrição) e de fome [21].
Associada à urgência do uso de sistemas de produção sustentáveis, é igualmente necessária e essencial a alteração dos estilos de vida e dos comportamentos de consumo, caminhando no sentido da adopção de dietas sustentáveis e saudáveis. Dietas sustentáveis são aquelas com reduzido impacto ambiental que contribuem para a segurança alimentar e nutricional e para a vida saudável das gerações presentes e futuras. As dietas sustentáveis protegem e respeitam a biodiversidade e os ecossistemas, são culturalmente aceites, praticáveis, economicamente justas e a preços acessíveis; nutricionalmente adequadas, seguras e saudáveis; ao mesmo tempo que otimizam a utilização dos recursos naturais e humanos. Como exemplo de dieta sustentável, temos a Dieta Mediterrânica (DM), amplamente reconhecida como um padrão de produção sustentável [22, 23] e alimentação saudável, com efeitos benéficos na saúde [24-26]. Os alimentos característicos do padrão da DM são produzidos sem recurso a abordagens intensivas, respeitando os ritmos ambientais, a sazonalidade e a biodiversidade, e o consumo baseia-se fortemente nos produtos locais. A forma como os alimentos são produzidos, transformados e como chegam aos consumidores e são confecionados e consumidos, faz dela um padrão alimentar sustentável e saudável – sendo um exemplo de padrão alimentar (estilo de vida) que deve ser valorizado e promovido [21].
De acordo com a Barilla Foundation e colaboradores [16] a nova Pirâmide Dupla, constituída pelas pirâmides saudável e climática, corrobora e reforça a mensagem de que por meio de uma dieta variada e equilibrada podemos promover a nossa saúde, longevidade e bem-estar, ao mesmo tempo que reduzimos a nossa pegada de carbono. Produzir alimentos dentro dos limites planetários e adaptar-se aos contextos locais, é necessário para reduzir os impactos ambientais dos sistemas alimentares.
Podemos então reconhecer que a produção e a escolha de alimentos têm um efeito profundo na saúde humana, no meio ambiente e na saúde e bem-estar dos animais produtores de alimentos. A Dieta Mediterrânica (e o estilo de vida mediterrâneo) assenta fundamentalmente no consumo de alimentos de origem vegetal, produzidos em modo agroecológico sustentável, resultando em benefícios tangíveis em todos os três domínios. As sinergias de cada domínio reúnem-se em um sistema complexo, sendo um bom exemplo do conceito interdisciplinar de “Uma Saúde”, que é crucial para enfrentarmos os desafios de hoje e do futuro [16,27].
* No âmbito do One Health day, 3 de Novembro.
Referências
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