A Marioila – do controlo de agentes patogénicos ao uso em terapia humana

ESG e Agricultura – Da Eficiência à Resiliência

Através da selecção natural as plantas desenvolveram estratégias sofisticadas para se defenderem de doenças e se adaptarem às mudanças ambientais desfavoráveis, numa luta contínua contra o ataque de agentes patogénicos, que também evoluem para se tornarem mais agressivos, e para resistirem a ambientes cada vez mais adversos. O resultado destas interacções conduz à produção duma vasta gama de moléculas com importantes implicações nas actividades humanas, desde a agricultura à medicina. ​

Descubra a Marioila e o seu potencial na protecção de plantas e em terapia humana!​

1. Marioila e o seu habitat

Marioila, candeeiros, candiola, erva-dos-candeeiros, marioilas, mariola, mariolas, salva, salva-da-serra são nomes populares pelos quais é conhecida uma planta com propriedades extraordinárias de nome científico Phlomis purpurea. É uma planta perene, de folhas persistentes, pertencente à família das Lamiaceas, como o alecrim, a lavândula, o timo, a hortelã, a sálvia, entre muitas outras, que pode atingir 2m de altura. É frequente em zonas rochosas e tolera bem a falta de água. É comum no barrocal algarvio, mas também está presente espontaneamente na serra, em algumas regiões do Alentejo e na Arrábida e, além-fronteiras, na Andaluzia e em Marrocos. Tem sido cultivada como planta ornamental, produz uma bela flor de cor malva/lilás e as suas folhas são aveludadas.

2. Marioila: Propriedades detergentes e biológicas na limpeza e proteção de culturas

É bem conhecida dos algarvios que, no passado, antes da vulgarização dos detergentes comerciais, utilizavam as suas folhas na limpeza de utensílios de cozinha devido às suas propriedades detergentes surfactantes que resultam de serem ricas em saponinas, substâncias formadas de uma parte hidrofílica (que atrai água) e de outra lipofílica (que atrai gordura), permanecendo, por isso, simultaneamente na água e na gordura. As saponinas têm, igualmente, propriedades fungicidas e oomycoticida conhecidas há já quase um século, se bem que a classe dos oomycota não fosse, então, reconhecida. As suas actividades biológicas e farmacológicas, relacionadas com as suas estruturas químicas, têm sido abundantemente documentadas.
Também as raízes têm características muito interessantes: os seus extractos alcoólicos inibem o crescimento e a proliferação de agentes patogénicos de plantas, nomeadamente de Phytophthora cinnamomi, um oomycota, antigamente confundido com um fungo pelas suas semelhanças morfológicas, extremamente virulento e devastador, que causa uma grande mortalidade em inúmeras espécies vegetais, muitas de enorme importância económica e ecológica, como por exemplo o sobreiro ou o castanheiro. Este oomycota, Phytophthora cinnamomi, vive no solo e infecta e destrói as raízes, impedindo as plantas de se nutrirem, as quais acabam quase sempre por morrer, após um tempo mais ou menos longo. A marioila não só é totalmente imune e resistente ao ataque por Phytophthora, como protege as plantas vivendo na sua proximidade, da acção do agente patogénico. Esta propriedade da marioila confere-lhe um potencial enorme, deixando antever a sua utilidade na luta biológica contra agentes fitopatogénicos altamente agressivos. Com efeito, poder-se-ia tirar partido desta sua acção antagonista, para tornar saudáveis solos contaminados por doenças, previamente ao estabelecimento de culturas susceptíveis.

3. Princípios do efeito protector e da imunidade

É comum as plantas comunicarem quimicamente através das raízes. A marioila é um exemplo flagrante dessa capacidade de transmitir mensagens químicas. Estudos aprofundados mostraram que as suas raízes exsudam compostos químicos complexos para a rizosfera. Estes foram isolados a partir de extractos das raízes e foram caracterizados quimicamente, confirmando-se que possuem um efeito tóxico em várias espécies de Phytophthora, entre as quais P. cinnamomi, o que pressupõe o envio de um sinal químico de autoprotecção da planta contra o ataque de agentes patogénicos. É, também, interessante assinalar que, pelo menos um destes compostos inibe, igualmente, o crescimento de certas células cancerosas humanas, em estudos de laboratório (in vitro). Esta observação leva-nos a considerar a marioila como uma potencial fonte de compostos úteis também em medicina humana.
Outros estudos mostraram, ainda, que, durante a sua resposta de defesa ao ataque de Phytophthora cinnamomi, a marioila produz rapidamente e mobiliza uma quantidade significativa de metabolitos secundários que, de maneira integrada e em conserto com os produtos de vários genes, asseguram uma imunidade total à planta. Pode-se afirmar que esta planta possui um arsenal de meios genéticos e químicos de defesa e uma capacidade de os mobilizar notável, que explicam porque um dos agentes patogénicos mais agressivos e destruidores conhecidos não a consegue sequer beliscar.

4. Uso em medicina popular

Para além do uso popular como detergente, as folhas da marioila têm sido utilizadas na forma de infusão em medicina popular, tendo sido descritas acções medicinais tais como as de tónico cardíaco, diferentes ações positivas no sistema gastro-intestinal, protector hepático, protecção contra úlceras do estômago, proteção contra doenças da bexiga, prevenção de constipações, ou mesmo efeito anti-enjoo.
Existem para cima de 100 espécies do género Phlomis distribuídas pelas regiões do Mediterrâneo, Médio Oriente e Ásia. Óleos essenciais extraídos de algumas destas espécies e extractos de folhas ou de raízes possuem comprovadamente, actividades medicinais importantes.

5. Um potencial a explorar em terapia humana

Na China, onde o recurso à medicina popular é muito generalizado, e em vários outros países asiáticos, como por exemplo a República da Coreia, o Uzbequistão, ou a Turquia, têm sido investigadas potenciais actividades medicinais, de algumas espécies desta planta, tais como anti-inflamatória, antidiabética, antioxidante, propriedades analgésicas, antiulcerogénica, antialérgica, anticancerosa, imunossupressora, antimutagénica, antimicrobiana, anti-artrite reumatóide, anti-artralgia (dores em articulações), anti-osteoartrite (artrose), capacidade de eliminação de radicais livres (causadores de stress oxidativo e envelhecimento celular).
O potencial do género Phlomis é grande e está, ainda, por explorar nas suas diferentes vertentes e possibilidades. O pouco que já se conhece, empiricamente ou cientificamente, da espécie das nossas regiões (Phlomis purpurea), a marioila, deve ser incentivo para maior curiosidade e desenvolvimento de novos e aprofundados estudos. É pertinente e importante investigar os metabolitos secundários, nomeadamente saponinas, e outros compostos produzidos pela planta para melhor compreender por que mecanismos eles asseguram a imunidade da planta contra doenças e também, não menos importante, descobrir que substâncias que, isoladamente ou actuando em sinergia, estão na base das actividades medicinais observadas ou ainda por descrever, e delas tirar partido para uso terapêutico humano.

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ACravador

Por:

Alfredo Cravador

Investigador do MED & Professor catedrático jubilado da Universidade do Algarve

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